Recentemente, nós enfrentamos uma pandemia que trouxe muita tristeza ao mundo, a Covid-19. Há 106 anos, o Brasil e o Mundo enfrentavam outra pandemia, a Gripe Espanhola.
Conhecida
como Espanhola (Hespanhola, na grafia da época), Influenza Espanhola ou
Bailarina, essa enfermidade surgiu nos EUA no final da Primeira Guerra Mundial
e seguiu para a Europa através de soldados infectados que foram para lá lutar.
Daí, se espalhou pelo mundo, chegando ao Brasil, onde fez milhares de vítimas.
O
nome “Espanhola” se originou da seguinte forma: a Espanha era um dos poucos
países neutros durante a Primeira Guerra Mundial, então, sua imprensa era mais
livre para noticiar o que acontecia. Nos EUA, por exemplo, o presidente Woodrow
Wilson ordenou a censura para qualquer nota sobre a doença, para não abalar a
população e os soldados. A Espanha foi o primeiro país a falar abertamente
sobre a epidemia, daí resultando no nome da mesma, Gripe Espanhola.
Infelizmente, por censurar as notícias, muitos países não se preveniram, favorecendo
a propagação da gripe.
A
pandemia, como diziam, era “democrática”, pois atingia ricos e pobres, sem
distinção. Claro que, quem tinha mais posses podia se prevenir mais, indo para
lugares afastados de aglomerações, tendo uma melhor alimentação e recursos para
se isolar. A maioria da população não podia ter esse privilégio e caia doente a
cada dia, com um grande número de mortes. Estima-se que, no mundo todo, 50
milhões de pessoas pereceram vitimadas pela doença, inclusive o presidente do
Brasil (eleito em seu segundo mandato) Rodrigues Alves, que foi eleito em 01 de
março de 1918, adoecendo em outubro (sem tomar posse) e falecendo em 16 de
janeiro de 1919, sendo substituído no cargo de presidente por Delfim Moreira,
seu vice.
Em
meio à pandemia no Brasil, várias avenidas das grandes cidades, como o Rio de
Janeiro, ficaram desertas; foi preciso improvisar vários hospitais e os jornais
noticiavam casos de suicídios de pessoas em pânico.
A
pandemia duraria de 1918 até, aproximadamente, 1920.
No
meio artístico as perdas não foram poucas. Os artistas trabalhavam todos os
dias, em grande número de pessoas reunidas, o que facilitava o contágio. Em um
dia, estavam ativos, trabalhando e, no outro caiam doente e/ou morriam. Não era
raro companhias inteiras adoecerem e teatros serem fechados, com vários mortos
em seus elencos. De coristas a primeiros atores, a Gripe Espanhola vitimou várias
atrizes, atores, jornalistas e demais pessoas ligadas às comunicações ou à
cultura. Os piores dias para as perdas do teatro foram 15,16 e 17 de outubro de 1918.
Vamos conhecer e homenagear algumas dessas pessoas que muito fizeram por nossa cultura e foram vitimadas pela pandemia da Gripe Espanhola.
BEATRIZ
MARTINS
Beatriz
Martins nasceu em 15 de junho em Portugal, não sabemos o ano.
Estreando
como atriz em Lisboa, veio ao Brasil e não mais retornou à sua terra natal. Em
nosso país, Beatriz Martins era uma atriz dedicada, estimada por suas colegas e
admirada pelo público. Era casada com o jornalista Robespierre Trovão.
Em
maio de 1918, ela se submeteu à uma cirurgia de apendicite, regressando entre
os dias 11 e 12 desse mês para sua residência.
Atuando
no Teatro de Revista, em comédias e operetas, Beatriz Martins estava em plena
atividade quando adoeceu em meados de outubro de 1918. Ela faleceria em 17 de
outubro de 1918, uma quinta-feira, poucos dias antes de seu esposo. Este, já
enfermo, teve o abalo psicológico de ver o corpo de sua esposa ficar insepulto
por dois dias, muito provavelmente pelo grande número de mortes e poucos
coveiros para sepultarem as vítimas.
A
imprensa, antes de seu desaparecimento, comentava com entusiasmo sobre a festa
artística que Beatriz Martins apresentaria no dia 29 de outubro de 1918, no
Theatro São José, com apresentação da opereta A Sertaneja, de Viriato
Correia e música de Chiquinha Gonzaga.
ROBESPIERRE
TROVÃO
Robespierre
Trovão era jornalista e casado com a atriz Beatriz Martins.
Trabalhou por
vários anos na imprensa carioca, em jornais como Gazeta de Notícias e Notícia,
sendo muito estimado por seus companheiros.
Apaixonado por
teatro, atuou como secretário da Companhia do Theatro São José, admitido pela Empresa
Paschoal Segreto, dona do teatro, onde ficou vários anos.
Estava nesse
posto quando faleceu em 23 de outubro de 1918, uma quarta-feira, poucos dias
depois de sua esposa.
Também
colaborava com o Jornal de Theatro e Sport.
http://memoria.bn.br/ |
LUIZA LOPES
Luiza Lopes era
corista da Companhia do Theatro São José, estando nessa companhia desde sua fundação,
em 1911.
Segundo a
imprensa da época, era uma artista muito requisitada, embora não sendo uma
estrela, era muito disciplinada e estimada no meio teatral.
Sendo utilizada
em vários pequenos papeis, Luiza Lopes sempre conseguia se sobressair em papeis
caricatos, sempre agrando ao público.
Sua morte provocou
profunda consternação no elenco do Theatro São José.
Jornal de Theatro & Sport nº208, 02 de novembro de 1918, p.09 http://memoria.bn.br/ |
JOÃO CARVALHO
O ator João
Carvalho era um nome veterano nos palcos, tendo atuado na Companhia Antônio de
Souza, no Theatro São Pedro, figurando em revistas em cujos papeis ele se
empenhava com muito cuidado e dedicação. Chegou a excursionar pelo Norte do
País.
Era casado com a
atriz Luiza Nazareth e pai da menina Zilka, de um ano e meio quando ele faleceu.
Ele e Luiza (filha do ator Nazareth) passaram a lua de mel se apresentando em uma
tournée.Décadas depois, Zilka também se tornaria atriz, adotando o sobrenome do
marido, o ator Mário Salaberry. Zilka Salaberry seria a mais famosa Dona
Benta de O Sítio do Pica Pau Amarelo.
João Carvalho
faleceu em 15 de outubro de 1918, uma terça-feira.
VIRGÍNIA AÇO
A atriz e
cantora Virgínia Aço era bastante querida pelo público do Brasil e de Portugal.
Virgínia Aço
nasceu em Portugal, na vila Almada do Ribatejo, em 27 de fevereiro de 1891,
vindo de uma família de artistas.
Aos dez anos de
idade estreou no Theatro Infante, em Lisboa, na Companhia Infantil de José S.
Libório. Passou a trabalhar no Teatro de Revista em 1909, no Theatro da Rua dos
Condes, em Portugal. Sua estreia nas revistas aconteceu em O Cacharolete.
Contratada por
Leopoldo Fróes, que logo admirou seus dotes vocais, Virgínia Aço aparecia como
segunda figura da companhia, a primeira era a atriz Rentini. Apresentou-se em A
Viúva Alegre, Sonho de Valsa e A Mascotte.
Em novembro de
1911, foi contratada pela Empresa Paschoal Segreto, trabalhando no Rio de
Janeiro no Pavilhão Internacional.
A crítica
carioca a considerava “a melhor soprano da opereta portuguesa”.
Participou de
várias peças e companhias tendo gravado um disco em 1913, ao lado de Antônio
Santana, com as músicas Fado Rufia e Valsa dos Apaches.
Virgínia Aço
faleceu em uma quarta-feira, 16 de outubro de 1918, às 14:30 da tarde, sendo sepultada
no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro.
Ela deixou sua mãe,
Dona Joanna, aqui no Brasil, aparentemente, sozinha. Desconhecidos e estrelas,
como a atriz Abigail Maia se solidarizaram em sua causa, angariando fundos para
que a mãe da atriz pudesse retornar a Portugal, onde tinha parentes para lhe
assistir.
Para ouvir mais gravações de Virgínia Aço, https://arquivosonoro.museudofado.pt/interprete/557/virginia-aco
FADO RUFIA
Fado de A.
Arriaga
Gravado por
Virgínia Aço e Antônio Santana
Acompanhamento
de Orquestra
Disco Odeon
Record 120.571
Lançado em 1913
VALSA DOS
APACHES
Valsa
Gravada por
Virgínia Aço e Antônio Santana
Acompanhamento
de Orquestra
Disco Odeon
Record 120.572
Lançado em 1913
Revista da Semana, 15 de julho de 1916, nº23 http://memoria.bn.br/ |
O Paiz, quinta-feira, 17 de outubro de 1918, p.05 http://memoria.bn.br/ |
Jornal de Theatro & Sport 1918, 02 de novembro de 1918, p.07 http://memoria.bn.br/ |
A Noite, 05 de setembro de 1919, p.05 http://memoria.bn.br/ |
Jornal das Moças, 19 de junho de 1919, nº209, p.21 http://memoria.bn.br/ |
OLYMPIO NOGUEIRA
Uma das mortes
mais sentidas foi a do ator Olympio Nogueira, um dos grandes nomes de nosso
teatro nas duas primeiras décadas do século XX.
Olympio Nogueira
nasceu no Rio de Janeiro, em 22 de junho de 1878.
Estreou como
ator em 1890, no interior, interpretando o filho do sargento Guilherme no drama
Os Dois Sargentos. Aos doze anos de idade ele interpretaria um papel de
menina no drama do ator Vasquez, Lágrimas de Maria.
Na Companhia da
atriz Anna Chaves, percorreu o Estado de São Paulo interpretando, com habilidade,
papeis de galã.
Passou a atuar
na empresa de Moreira de Vasconcellos, interpretando papeis de maior
responsabilidade, desligando-se dessa companhia na Bahia. Ao lado da família,
percorreu o interior desse Estado, voltando ao Rio de Janeiro.
Na Companhia Dias
Braga começou a fazer pequenos papeis, lapidando seu talento. Já mais
experiente, interpretou papeis importantes como o tabelião, de Roda da
Fortuna; Julot, de Bexigosa; e seu maior desempenho, Jesus Christo,
em O Martyr do Calvário. Foi considerado o mais convincente Jesus do
teatro, em seu tempo, papel que desempenhou por vários anos.
Entre 1904 e
1907 gravou vários discos, alguns solos e outros em parceria com colegas como Medina
de Souza, deixando clássicos gravados como Corta Jaca, com letra de
Machado Careca e melodia de Chiquinha Gonzaga.
Era muito
estimado e respeitado pelos colegas e pelo público.
Olympio Nogueira
faleceu em um sábado, 19 de outubro de 1918.
O ZÉ DA LYRA
Gravado por
Olympio Nogueira
Disco Odeon
Record 10.042
Lançado em 1904
Obs. Da Revista
“O Avança”
MAXIXE
ARISTOCRÁTICO
Maxixe de José
Nunes
Gravado por
Olympio Nogueira e Medina de Souza
Acompanhamento
de Orquestra
Disco Victor
Record 98.796
Lançado em 1909
MATUTO
Toada Sertaneja
de José Nunes
Gravada por
Olympio Nogueira
Disco Victor
Record 98.826
Lançado em 1909
O VENDEIRO E A
MULATA
De Nicolino
Milano
Gravado por
Medina de Souza e Olympio Nogueira
Disco Victor
Record 98.879
Lançado em 1909
CORTA JACA
Tango de
Chiquinha Gonzaga, letra do ator Machado Careca
Gravada por
Olympio Nogueira e Medina de Souza
Disco Victor
Record 99.713
Lançado em 1910
Jornal de Theatro & Sport nº208, 02 de novembro de 1918, capa http://memoria.bn.br/ |
O Paiz, domingo, 20 de outubro de 1918, p.04 http://memoria.bn.br/ |
Correio da Manhã, domingo, 20 de outubro de 1918, p.01 http://memoria.bn.br/ |
Correio da Manhã, quarta-feira, 23 de outubro de 1918, p.06 http://memoria.bn.br/ |
JOSÉ GONÇALVES
LEONARDO
José Gonçalves
Leonardo foi um conhecido ator que fez sucesso no final do século XIX e início
do século XX.
Nasceu no Rio de
Janeiro em 16 de julho de 1860, destacando-se no Teatro de Revista.
Um de seus
grandes êxitos era a cançoneta Fandanguassú, de Augusto Fábregas. No
teatro, interpretou várias vezes, com muito agrado, o Seu Ozébio, de A
Capital Federal, de Arthur Azevedo.
Gravou alguns
discos em 1907, inclusive o sucesso Fandanguassú.
Morando em São
Paulo, era casado com a atriz Annita Campilli.
José Gonçalves Leonardo faleceu em São Paulo, em 24 de outubro de 1918, uma quinta-feira, vitimado pela Gripe Espanhola, aos 68 anos de idade.
SEU ANASTÁCIO
Tango de
Candinho
Gravado por José
Gonçalves Leonardo
Acompanhamento
de Orquestra
Disco Victor
Record 98.719
Gravado em 01 de
novembro de 1907 e lançado em 1907
O MULATO DE
ARRELIA
Cake Walk
Gravado por José
Gonçalves Leonardo
Acompanhamento
de Orquestra
Disco Victor
Record 98.720
Gravado em 01 de
novembro de 1907 e lançado em 1907
O VERDADEIRO
FANDANGUASSÚ
Tango de
Leopoldo Silva
Gravado por José
Gonçalves Leonardo
Acompanhamento
de Orquestra
Disco Victor
Record 98.800
Gravado em 01 de
novembro de 1907 e lançado em 1907
Revista da Semana, 1905 http://memoria.bn.br/ |
Careta, 1909 http://memoria.bn.br/ |
Correio Paulistano, quarta-feira, 25 de dezembro de 1918 http://memoria.bn.br/ |
Correio da Manhã, sexta-feira, 27 de dezembro de 1918, p.04 http://memoria.bn.br/ |
A Epoca, terça-feira, 15 de outubro de 1918 http://memoria.bn.br/ |
A Noite, 18 de outubro de 1918 http://memoria.bn.br/ |
A Epoca, domingo, 03 de novembro de 1918 http://memoria.bn.br/ |
O Paiz, segunda-feira, 04 de novembro de 1918 http://memoria.bn.br/ |
A Noite, 11 de novembro de 1918 http://memoria.bn.br/ |
Jornal de Theatro & Sport nº208, 02 de novembro de 1918 http://memoria.bn.br/ |
Jornal de Theatro & Sport nº208, 02 de novembro de 1918 http://memoria.bn.br/ |
Palcos e Telas, outubro de 1918 http://memoria.bn.br/ |
Jornal de Theatro & Sport, 1918 http://memoria.bn.br/ |
Agradecimento ao Arquivo Nirez
Nenhum comentário:
Postar um comentário