quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

ARACY CÔRTES - 30 ANOS DE SAUDADE

Aracy Côrtes, anos 20.



Há 30 anos falecia a cantora e atriz Aracy Côrtes, um dos maiores nomes de nossa MPB e Rainha do Teatro de Revista.

Nascida em 31 de março de 1904, no Rio de Janeiro, Zilda de Carvalho Espíndola teve contato com a música desde cedo. Seu pai, Carlos Espíndola, tocava flauta e fazia parte de um grupo de chorões. Junto com a família vizinha, os Viana, eles faziam animadas rodas de choro. Nessas festas a menina Zilda começava a ensaiar alguns passos de dança, enquanto seu amigo e vizinho Pixinguinha (Alfredo Vianna Filho) tocava com seus irmãos.

O gosto pelo teatro veio na adolescência e aos dezessete anos fez sua estreia profissional no teatro de revista. Era início da década de 1920 e o samba começava a se consolidar. O teatro musicado era o grande divulgador de sucessos musicais, reunindo os melhores compositores e dramaturgos, e coube à garota Zilda, agora batizada de Aracy Côrtes, a interpretar composições no palco.

Anos 20
http://memoria.bn.br/



Em pouco tempo seu nome se destacaria no cenário musical. A crítica lhe a considerava verdadeiro exemplo de brasileira brejeira. Sua voz de soprano dava um sabor especial às músicas que cantava e seu sapateado, dançando nosso samba, conquistou o público em definitivo.

Em 1925 gravou seu primeiro disco, ainda na famosa Casa Edison. Naquele tempo cada disco (de cera) trazia uma música de cada lado. Em um deles ela interpretou a canção A Casinha (A Casinha da Colina), de Pedro de Sá Pereira. O outro lado apresentava a canção Petropolitana. Ainda gravou também Serenata, de E. Toselli, mas, é um disco que até hoje permanece desaparecido.

Aracy Côrtes caracterizada como gaúcho
na revista Secos e Molhados, no Theatro São José, 1925.



Aracy Côrtes foi uma das grandes intérpretes do compositor Sinhô (José Barbosa da Silva), de quem lançou nos palcos alguns clássicos, como o samba Jura, até hoje sucesso. Pessoas que estavam no dia da apresentação contaram que ela precisou repetir a música por sete vezes, a pedido da plateia. Ao final, Sinhô subiu ao palco chorando, emocionado, agradecendo a todos.

Aliás, Jura e Chora Violão, toada de Josué de Barros, fizeram parte de seu segundo disco, gravado em 1928, na Parlophon. Ainda nesse ano, ela lançou um dos maiores sucessos da música brasileira, Ai, Ioiô, (de Henrique Vogeler, Luiz Peixoto e Marques Porto) que também gravou em disco. Dessa forma, ela lançava também um novo ritmo, o samba-canção. 
Originalmente intitulada de Linda Flor, esse samba-canção foi gravado por Aracy com o título de Yayá e marcaria sua vida.

Em 1930 ela já era o nome máximo do teatro de revista, cujas peças eram apresentadas nos teatros da Praça Tiradentes, do Rio de Janeiro. A imprensa a saudava como Rainha do Samba.

A revista Phono-Arte de 28 de fevereiro de 1930
trazia a relação dos novos discos de Aracy Côrtes e a proclamava Rainha do Samba.



Nesse mesmo ano ela se casou com o sapateador argentino Esteban Palos, irmão do cômico Palitos. O casamento não durou muito. O casal teve um filho, Arary, que faleceu com quatro meses. Após isso, eles se separaram.

Cabia a ela interpretar as melhores composições e isso favorecia bastante aos autores. Havia uma crença que se um jovem compositor tivesse seu repertório inserido em uma das peças da Praça Tiradentes, já seria um sucesso. Agora, ter essa música interpretada por Aracy Côrtes, seria a glória.

E, dessa forma, ela lançou no teatro compositores do quilate de Benedito Lacerda, Ary Barroso, Lamartine Babo, Noel Rosa, Custódio Mesquita, Assis Valente. Este último a abordou na porta do teatro e lhe ofereceu um samba. Ela aceitou gravar e, assim, Assis estreava em disco com Tem Francesa no Morro, em 1932.

Aracy Côrtes



Aracy era uma mulher ousada, sem papas na língua. Morena bonita e atraente tinha enorme talento artístico e sabia disso. Em uma época onde o machismo imperava e a mulher ainda era injustiçada perante o homem, ela precisou ser firme e se impor.

Ainda no início dos anos 20, em meio à rígida moral, tirou sua célebre foto onde aparece somente de calcinha, flor no cabelo, pernas cruzadas e segurando um violão.

Contam ainda que em uma ocasião, estando a ensaiar no palco, um maestro se desentendeu com ela e a chamou de "negra, macaca". Ela não levou o desaforo para casa. Tirou seu tamanco e jogou na cabeça do maestro preconceituoso. 

Em uma de suas peças havia uma cena em que se passava no morro, com música. Ela decidiu fazer tudo da forma mais realista possível. Subiu em um dos morros, apesar da advertência dos amigos sobre o perigo de uma mulher fazer isso sozinha, e trouxe de lá sambistas legítimos que nunca haviam pisado em um palco, mas, sabiam tocar como ninguém. O sucesso da peça foi enorme.

Com excursões pela Europa, Argentina, participação em programas de rádio, discos gravados, seu nome se consolidou como grande artista. Sua paixão era estar nos palcos, cantando para seu público. No teatro ela lançou vários sucessos que ficariam marcados para sempre na história, como Na Pavuna, Com que roupa?, Cidade Maravilhosa, Mamãe eu quero, Aquarela do Brasil, só para citar alguns.

Um de seus personagens mais recorrentes era a baiana, isso muito antes de Carmen Miranda assumir a indumentária. Aracy cantou e gravou músicas que exaltavam a Bahia.


Aracy Côrtes interpreta uma baiana.
Anos 20.



Carmen iria regravar duas músicas que originalmente foram lançadas e gravadas por Aracy, Boneca de Piche (originalmente No Morro, eh, eh) , de Ary Barroso e Luís Iglézias, e Preto e Branco, de Augusto Vasseaur, Marques Porto e Luís Peixoto.

O amor voltaria a sorrir para Aracy quando ela conheceu Renato Meira Lima, seu grande amor. Até a morte de Renato, os dois foram muito felizes. Renato era homem de vida política, tendo sido secretário do presidente Washington Luís. Aracy teria nele um grande parceiro, que até a incentivou a criar sua própria companhia teatral.

Eu Sou do Samba, revista da Companhia Aracy Côrtes.



Em 1939 foi eleita Rainha das Atrizes e na década de 40 começou a se afastar da cena, indo procurar o sossego em sua chácara no subúrbio do Rio. Voltaria ainda a atuar nos anos 50 e em 1965 no célebre show Rosa de Ouro, ao lado de Paulinho da Viola, Elton Medeiros e da estreante Clementina de Jesus.

O Brasil costuma esquecer seus ídolos e com ela não foi diferente. Embora seu público ainda lembrasse seus sucessos, os convites para trabalhar se tornaram raros. Alguns shows nos anos 70 mostraram que Aracy ainda estava em forma.

Em seus 80 anos, comemorados em 1984, ela voltou a ser lembrada. Bonitas homenagens foram feitas. A Funarte lançou um LP e um livro sobre sua vida. Um bonito show protagonizado pela cantora Marília Barbosa trazia a participação especial da própria Aracy, velhinha, mas, ainda soberana.

Livro lançado pela Funarte
por ocasião dos 80 anos de Aracy Côrtes, em 1984.
Da autoria de Roberto Ruiz.



Nas últimas décadas de vida, foi amparada por um amigo que se tornou um filho. O compositor e cenógrafo J. Maia se dedicou a ela e ao seu bem estar até os últimos momentos. Ela sempre lutou por uma aposentadoria que nunca veio.

Aracy Côrtes faleceu no Rio de Janeiro, em uma terça-feira, a 08 de janeiro de 1985. 

No dia seguinte uma matéria do Jornal do Brasil assinada por Evandro Teixeira falava sobre sua vida seus sucessos. Falando sobre a partida do corpo, que fora velado no Teatro João Caetano, para o cemitério, ele encerrava o texto com uma triste e real constatação: "mais do que uma época, toda uma arte estará partindo com ela".


Parte do Jornal do Brasil, de 09 de janeiro de 1985.
Mesmo Aracy Côrtes tendo feito sucesso vestido de baiana muitos anos antes de Carmen Miranda
ela não foi a primeira atriz a adotar a fantasia. Desde 1889 as atrizes já adotavam essa vestimenta nos palcos.




Aracy Côrtes em 1981, aos 77 anos.











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