MARIA SABINA
A revista O Cruzeiro publicou em 1932 uma série de reportagens
abordando quatro poetisas brasileiras. Da autoria de Padua de Almeida, Um
Inquerito Pantheista e Sentimental entre as mais notaveis figuras femininas na
arte e literatura brasileiras, trazia algumas perguntas respondidas pelas
artistas enfocadas. O mais interessante é que todas as perguntas foram respondidas em versos
Eis a matéria (copiada do original):
Um Inquerito Pantheista e Sentimental entre as mais notaveis figuras femininas na arte e literatura
A
artista e a intellectual brasileiras tem o espirito voltado para a contemplação
da natureza e o sentimentalismo?
Eis
o que, em oito perguntas "O CRUZEIRO" tenciona desvendar aos leitores, nesta "enquête" a que chamamos pantheistica e sentimental.
Fazer
uma "enquête" para conhecer-se uma alma é como abrir uma janella sobre uma
paysagem: nunca deixa de trazer um pouco de belleza, de luz e de imprevisto aos
nossos olhos.
E
ha almas que são verdadeiros panoramas. Descerram-se até ás distancias mais
longinquas, mostrando ora o seu pessimismo, que nos dá a idéa de montanhas
altas entre brumas, ora o seu amor á vida ambiente, que nos faz recordar
vegetação, passaros e sol.
Imaginando
essas cousas é que resolvemos lançar esta "enquête". Ella nos vae descortinar, de
um modo suave e pittoresco, a sensibilidade e a indole contemplatica de algumas
das mais expressivas artistas e intellectuaes brasileiras.
Como
dissemos, compõe-se de oito perguntas o questionario que distribuimos a varias
damas e senhorinhas cuja vida intellectual e artistica é amplamente conhecida,
pois os seus nomes estão quasi sempre á baila nas chronicas de arte e
literatura dos nossos periódicos.
Questionário
a) Em que paiz do mundo desejaria viver? Em uma terra glacial ou numa região inundada constantemente de sol?
b) Que estação do anno prefere? E qual a que está mais de accordo com a sua sensibilidade?
c) A observação lhe parece mais util e interessante que a leitura?
d) Que hora do dia lhe agrada mais? Porque?
e) Gosta mais dos céos estrellados que das noites de tempestade?
f) A humanidade lhe desperta maior attenção que a natureza?
g) Que mais a suggestiona: o silencio ou a palavra?
h) Em seu temperamento, a illusão do amor vencerá a illusão da gloria?
Resposta da senhorinha Maria Sabina
a) - Sómente em Minha Terra, onde o sol millionario,
perdulario,
esbanja luz e côr,
quero sempre viver, longe da neve,
corpo crestado, alma cantante e leve
vestida de esplendor!
b)
– Sendo Filha do Sol, quando a festa sonóra
das cigarras começa, annunciando o
Verão,
minha alma, num perfume, se evapora
como a flor tropical na sua floração...
c) - Leitura...
Iniciação espiritual... Delicia
de
pensar, de sentir
o que aos outros já foi ou tormento ou caricia
e o que elles nos quizeram suggerir...
Mas, melhor do que o livro mais profundo,
mais bella, mais vibrante, mais brutal,
é a Vida prescrutada bem no fundo,
porque é real
d) - Dentre as horas do dia uma hora existe
entre todas mais languida e mais triste..
Hora em que o Sol, batalhador vencido
na arena, como heróe, rola ferido:
golfa-lhe o sangue generoso e quente
e a purpura do céu vae, lentamente,
em belleza e doçura se apagando,
em cinzas e lilazes desmaiando...
É a Hora da Saudade que suggere
uma angustia imprecisa que nos fére
e á tona da nossa alma vem subindo
o que era bom e estava em nós dormindo...
e) - A alma contemplativa, absorta e solitaria
que ás vezes mora em mim
gosta de se perder pela poeira dos astros
para sondar o espaço, absorver o infinito,
prender o ouro do céu nos recessos do sonho...
Conto as estrellas com o olhar tristonho
pelo espaço sem fim,
e, ao ver tanta riqueza perdularia,
como me sinto só, pequenina, de rastros
sobre a terra, perdida, a rolar na amplidão!
Mas, quando a alma rebelde e tumultuosa
desperta em mim, num revoltado grito,
amo o tropel das nuvens e dos ventos
perseguidos de raios e trovão!
Sinto então minorados meus tormentos,
e a minha angustia menos tormentosa,
quando posso sentir minha Saudade
dilacerada pela tempestade.
f) - A Natureza é para o meu egoismo
um estranho delirio de belleza:
em mim vive um perpetuo pantheismo
maravilhado pela Natureza!
Mas, quando, finalmente,
alma contricta, volto á humanidade,
sinto vibrar em mim, profundamente,
o sentimento da fraternidade.
g) - SIlencio... quanto mais suggeres que a palavra!
Tua eloquencia estranha é persuasiva,
tem tanta força em sua imprecisão!
Falas melhor de tudo quando lavra
no recondito da alma inquieta e viva,
perturbas muito mais o coração...
Silencio... para as almas foste feito:
tudo o que é bello ou máu em nosso peito
fala melhor, se tudo se calou...
É no silencio que melhor se pensa;
no silencio a saudade se condensa;
sempre em silencio é que melhor se amou.
O silencio foi feito para a preçe;
é no silencio que a nossa alma tece
a trama singular das illusões...
É no silencio que melhor se chora;
é no silencio que melhor se adora
e em silencio se falam os corações...
h) - Illusão da gloria... Como vencerias
neste coração que nunca te almejou?
Illusão do amor... Ai! Como voltarias
se este coração a tudo renunciou?
Agradecimento ao Arquivo Nirez
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