Figueiredo
começava afirmando que todos os brasileiros admiravam com carinho especial os
cearenses e que o Ceará era amado e querido em todos os recantos do país.
Ele
descrevia o Estado como: “Um foco de luz colocado na quina nordeste do nosso
território esparge raios belíssimos que engolfam de simpatia os habitantes do
país inteiro”.
Como
sabemos, e como ele mesmo afirmava, o foco era (e é) o sol “imenso que abrasa,
ilumina e esturrica tudo”.
O
sertanejo era louvado por sua bravura “super-maravilhosa”, enfrentando as
agruras da seca. Os jangadeiros eram tidos como possuidores de uma coragem
miraculosa para enfrentar nossos “verdes mares bravios”.
Essa
bravura e coragem existem até hoje.
O
nosso amor “arraigado” pela terra, que nos faz voltar ao chão castigado pelo
sol tão logo sabemos notícias de chuvas copiosas, já era notado pelo
jornalista.
José
Francisco Nascimento (Dragão do Mar) era lembrado em suas ações e seu grito: “Neste
porto não embarcam mais escravos”. Figueiredo ainda nos diz que Nascimento foi ao
mercado e soltou todos os animais e pássaros, afirmando com firmeza que “no
Ceará não há mais escravos”.
Nossas
costas desprovidas de baías e enseadas eram vistas, pelo autor, como uma “ourela
branca e arenosa” cujo mar revolto ia, a cada dia, “dela fugindo como amante
zangado”.
Esse
“amante zangado” também esbordoava as alvas praias, onde antes haviam “cajueiros
copados e esbeltos coqueiros”, que emprestaram e emprestam tanta poesia às
nossas plagas nordestinas. Por conta disso, Figueiredo apontava um antigo
problema: a falta de um porto que seria fundamental ao progresso.
Sobre
a capital, Fortaleza, ela a via como uma cidade moderna, “onde há o mais
exigente conforto e a mais severa higiene”. Na Praça do Ferreira já podiam ser
vistos imponentes e “ulta-moderníssimos” arranha-céus.
O
cearense, para ele, era tão blaguer
quanto ou carioca; ou seja, muito piadista.
Aliás,
“a piada repentina que desconcerta e, pelo imprevisto, provoca o riso é o forte
daquela gente inteligente, vivaz e sadia”.
Eis
um exemplo do humor cearense em 1937.
Lima
Figueiredo passou pela Inspetoria Federal de Obras (IFOCS) e quis saber o significado
das iniciais. Enquanto perguntava a uns transeuntes, aproximou-se um rapaz e o
diálogo foi o seguinte:
Rapaz
– Querem saber o que significam aquelas letras?
Lima
Figueiredo – Sim.
Rapaz
(sorridente) – I – Isto; F – Faz; O – o; C – Ceará; S – Secar: Isto Faz o
Ceará Secar.
Todos
riram até não poder mais, da tradução e da cara gozada que fez o rapaz.
O
primeiro nome da cidade, Nossa Senhora da Assumpção, foi lembrado na matéria,
assim como, também lembrado foi o forte erguido para protegê-la. Diante de tão
grandiosa construção, os moradores passaram a chamar o forte de Fortaleza,
mesmo os holandeses tendo batizado a construção (construída em 1649) de
Schoonenborch.
Quanto
ao nome do Estado, o Dr. Joaquim Catunda lhe disse: “Donde lhe veio o nome se duvida, entendendo uns que de suia-caça (Suposição
errônea. A palavra Caça-çôo é da língua tupi), outros que do canto de um
pequeno papagaio grasnador, abundante nas praias no tempo da descoberta. Com melhor
fundamento pretende Candido Mendes que o nome é contração de Ciriá-poá, Ciri-á,
Ciriá – e depois, Ciará, como primeiro se escreveu, nome que evoluiu das formas
tupicas para as lusitanas e que lhe foi dado pelos primeiros colonos, os
potiguares, transmigrados do Ceará-merim. Anteriormente, era o seu território
denominado – sertão do Jaguaribe – na parte meridional, e do Camucy – na setentrional”.
Vou
transcrever uma parte da reportagem de Lima Figueiredo onde ele fala sobre a
geografia local:
O Ceará
emergiu das profundas do oceano que separava as montanhas do sistema Guiano das
do sistema Central do Brasil. Há formações cretáceas (era secundária) na serra
do Araripe, onde se encontram camadas calcarias horizontalizadas com peixes
fossilizados em abundância e excelentes mármores. O Atlântico cinzelou a orla
litorânea do Nordeste em tudo semelhante à do continente africano na parte que
lhe fica defronte. Praias desenvolvendo-se em curvas extensíssimas, sem a
mínima quebra do seu caprichoso traçado. Dunas ondulantes que às vezes atingem
a altura de quarenta metros, movendo-se daqui para ali ao sabor do mesmo vento
que enfuna as velas dos bravos jangadeiros. Enfim, tudo serve para acentuar a
similitude entre os dois litorais que se defrontam.
Três zonas
distintas compartilham o território cearense: o litoral, o sertão e as serras.
A primeira e a última são zonas de fixação, onde se acolhe a gente do sertão
nas épocas das grandes secas. Na vertente das serras, a população se concentra
fugindo do horror, do quadro macabro debuxado pela falta d´água, quando não
procura o litoral em busca de outros Estados.
Os próprios
dos rios são aproveitados para a agricultura, quando de todo se some a água.
Com o estrume de cabras fazem leiras, onde viceja algo que ameniza a fome em
dias aflitivos em que o “sertão se transforma em vasta fornalha que tudo
devora; morna solidão invade os povoados, de que se retiram o movimento e a
vida. Começa então um grande êxodo de cearenses e a Niobe americana, envolta em
crepe de pó ardente, chora os filhos condenados à expatriação e à morte. Figuras
esquálidas, macilentas, de todas as idades e sexos, de olhos encovados, vista
empapada, voz sumida, pele sobre os ossos, imagens da fome se cruzam em todas a
direções, e se atropelam em todas as estradas. Romeiros do infortúnio, ei-los
vão sem saber onde...”.
Era
o contraste da cidade moderna e higienizada com as misérias que a seca causava
às populações do interior.
Sobre
a resistência do cearense, Barão Homem de Mello contava o seguinte fato: “Certa ocasião, um engenheiro (seu amigo)
acompanhava o trabalho de dois lenhadores, um cearense e outro espanhol, e dado
o aspecto hercúleo do segundo, prognosticava para ele melhor rendimento. O
ibérico empunhou o machado com firmeza e em poucas cutiladas produziu profundo
sulco no tronco, dando a impressão que derrubaria dez árvores enquanto o pobre
caboclo se via às voltas com uma somente. O cearense dava machadadas sem vigor,
como se desejasse que o lenho permanecesse de pé. No fim de certo tempo, o
espanhol procura descansar ... a fadiga do esforço inicial chumbava-lhe os músculos.
O caboclo continuava obstinadamente, para daí a poucos momentos jogar por terra
o colosso da floresta. Quando a árvore do estrangeiro caiu, o cearense estava
com a segunda quase derrubada”.
E
Lima Figueiredo encerrava a matéria exaltando a força do nordestino:
Com
gente dessa marca é que se constroem as grandes pátrias...
Excelsior Hotel, Praça do Ferreira. Arquivo Nirez |
Praça do Ferreira Arquivo Nirez |
Praça da Liberdade, perto da Igreja do Sagrado Coração de Jesus. Arquivo Nirez |
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