Agonia de uma rua
Uma rua pode se parecer com uma pessoa, ou quase. Há ruas que
envelhecem e morrem; outras que apenas envelhecem, e há as que sempre estão se
modificando, sem nunca morrer.
Conheci uma que, mesmo já velhinha, era uma de uma beleza cativante:
árvores frondosas no meio da larga rua, casas tão antigas quanto a rua
enfeitando a paisagem, e, mesmo com o numeroso fluxo de pessoa, carros, e o
ensurdecedor barulho dos ônibus, acompanhados da baforada de fumaça que eles
deixavam, aquela rua era bonita.
Aos poucos, para nosso desgosto, foram surgindo buracos na paisagem
feita pelas casas centenárias. Esses buracos, onde havia sido uma casa, iam
fazendo da rua uma espécie de boca, banguela, sem os lindos dentes que se
abriam em vários quarteirões de sorrisos.
Com o tempo, os buracos foram aumentando. Ou surgiram moradias feias,
que já nasceram mal tratadas ou batizadas pelo mau gosto.
A rua não morreu, mas, parece estar em coma.
Onde havia a casa que eu tanto amava, hoje, há um hediondo buraco.
Evito passar ali e, quando passo, não olho para os lados. Não reconheço
mais nada, e nem quero reconhecer. Em minha mente, tudo está em seu perfeito
lugar.
- “Essa rua já teve os seus encantos.”, disse uma tia minha. Sua frase,
carregada de um suspiro emocionado e de saudosas lembranças ainda ecoa em meus
ouvidos e sua expressão, olhando a rua e ao mesmo tempo o passado, está gravada
em minha memória.
Nessa época, não lembro bem, creio que minha avó tinha acabado de
falecer e no ano seguinte minha tia partiria. Pouco tempo depois, seria eu
mesmo quem repetiria a mesma frase, com a mesma expressão, sentimento e olhar
perdido em minhas lembranças.
E, ainda hoje, eu repito:
- “Essa rua já teve os seus encantos.”.
Marcelo Bonavides, Fortaleza, 12 de janeiro de 2012.
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