Manifestação
em favor de Sabina (detalhe) Revista
Illustrada, 27 de julho de 1889, p. 05.
|
Um dos episódios mais interessantes que o Rio de Janeiro já presenciou e viveu foi, sem dúvida, o caso da Sabina das Laranjas.
Corria
o ano de 1889, a monarquia estava quase chegando ao fim e os ânimos republicanos
se renovavam e se fortaleciam a cada dia.
Uma
classe que aderia ferrenhamente à causa republicana era a dos estudantes, entre
eles, os de Medicina. A Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro ficava ao lado
da Santa Casa de Misericórdia, na rua Santa Luzia. Como em toda faculdade, até
os dias de hoje, os alunos escolhem um “point” para se reunir e trocar ideias,
fazendo do local uma atração entre eles.
No
final do século XIX o local escolhido pelos estudantes de Medicina era o
tabuleiro da ex-escrava Sabina, que há anos vendia suas laranjas para uma
freguesia cativa. Sabina era querida e popular entre os estudantes, que lotavam
o entorno do tabuleiro.
As
quitandeiras vendiam suas comidas pelas ruas das cidades desde os tempos da
Colônia, sendo muitas vezes perseguidas pelas autoridades, que viam nessas
mulheres potenciais contraventoras e perturbadoras da ordem pública. Com o
tempo, a perseguição foi diminuindo, mas não se extinguindo. Elas vendiam suas
quitandas para um público fiel, reunindo nessa prática uma rica variedade de
culturas, sejam ligadas à alimentação, à sua vestimenta, ao modo de apregoar
seus produtos, ao seu linguajar... Elas seriam, tempos depois, cantadas em
versos e popularizadas no teatro musical ou nas canções dos discos e no rádio.
Mas no século XIX, a realidade era bem distante dessa ficção dourada que os
poetas criariam tempos depois.
Vendedoras de Frutas no Rio de Janeiro Foto de Alberto Henschel, 1870 Biblioteca Nacional |
Vendeora de Frutas Foto de Christiano Junior, 1865 Biblioteca Nacional |
Vendedora de Frutas Foto de Marc Ferrez, 1975 Biblioteca Nacional |
Quitandeiras Foto de Marc Ferrez, 1875 Instituto Moreira Salles |
Um
dia de julho de 1889 os estudantes vaiaram a passagem pelo local da carruagem
de um ministro do Império. O caso não podia ser deixado de lado, mas seria tarefa
muito difícil para o Chefe de Polícia Imperial, dr. José Basson de Miranda
Osório, punir todos os estudantes. Então, ele tomou a seguinte decisão:
confiscou o tabuleiro de Sabina, por considerar um local de subversão, deixando
a pobre vendedora sem poder garantir seu sustento.
Indignados, os estudantes organizaram
uma passeata em favor de Sabina. Na manhã de 25 de julho de 1889, cerca de trezentas
pessoas saíram em cortejo as Faculdade de Medicina, percorrendo as ruas do
centro do Rio de Janeiro. À frente, ia Sabina com suas roupas de baiana.
A passeata
ganhava adeptos por onde passava e foi marcada por uma característica: era
pacífica. Os estudantes protestavam através do riso e das coroas e estandartes
de frutas e legumes. Outro fato marcou aquele dia, todos traziam espetados em
suas bengalas... laranjas! Em faixas, se liam: “Ao subdelegado do 1º
distrito da freguesia de S. José oferece a Escola de Medicina; e em outra: Ao
eliminador das laranjas”.
O Paiz, 26 de julho de 1889, p. 01. http://memoria.bn.br |
Revista Illustrada, 27 de julho de 1889, p. 015.
|
A
passeata teve como atração, alguns músicos, entre eles, o homem dos sete
instrumentos. Na Rua do Ouvidor, os estudantes pararam em frente a redação dos
principais jornais, que cobriram o fato dando destaque no dia seguinte.
O
povo sorria e aplaudia os manifestantes, senhoras acenavam com seus lenços do
alto de suas varandas. Dessa forma, eles retornaram à Faculdade de Medicina.
Antes, porém, despejaram todas as coroas de legumes e laranjas na casa do Chefe
de Polícia. O dinheiro arrecadado na passeata foi dado à vendedora de laranjas.
O
acontecimento foi um sucesso, caindo na boca do povo, que se mostrou favorável
à cauda de Sabina. A repercussão do caso, ao que consta, resultou no
afastamento do Chefe de Polícia, a volta do tabuleiro de Sabina e sua
consagração no imaginário popular e no teatro.
Por
essa época, o Teatro de Revista já havia se consolidado no Brasil e era um dos
principais meios de divulgação de nossa música, retratando causos e costumes da
população. O caso da Sabina das Laranjas não poderia ficar de fora dos palcos.
Coube a Arthur Azevedo compor o lundu As Laranjas da Sabina e incluí-lo na
revista A República, escrita por ele e seu irmão, o escritor Aluísio de Azevedo.
http://memoria.bn.br |
Estreada
em 26 de março de 1890 no Theatro Variedades Dramáticas, A República foi,
segundo Salvyano Cavalcanti de Paiva, “um dos raros sucessos do gênero naquele
ano”. Era uma peça com um prólogo e três atos divididos em 13 quadros. A
regência ficou a cargo do maestro Adolfo Lidner que “compilou e regeu uma
partitura que incluía músicas” dele próprio nomes de peso como Francisco Braga
e Carlos Gomes, porém, de todas as composições só algumas tiveram êxito:
“algumas modinhas cantadas pelo cômico e compositor Xisto Bahia; a execução de
trechos de Lo Schiavo, com o ator
José Gonçalves Leonardo encarnando o maestro Antonio Carlos Gomes”(seu autor) e
um tango que, segundo Salvyano, “se constituiu no maior sucesso popular de
música divulgada pelo teatro no fim do século XIX”. A peça trazia no elenco Clélia de
Araújo interpretando a Monarquia, Rose Villiot interpretando a República e Felipe Martins, interpretando o Brasil.
CLÉLIA DE ARAÚJO Arquivo Marcelo Bonavides |
ROSE VILLIOT Arquivo Marcelo Bonavides |
Cartaz da revista A República. O Paiz, 26 de março de 1890, p. 04. http://memoria.bn.br |
Esse
tango, ou lundu, era justamente As Laranjas da Sabina, que foi cantado
pela atriz Ana Manarezzi, que vestida de baiana, vivia a Sabina nos palcos. Ana
Manarezzi (nascida na Grécia e morando no Brasil desde os dois anos de idade)
foi a segunda atriz a se vestir de baiana no Teatro de Revista (a primeira foi
a carioca Aurélia Delorme).
ANA MANAREZZI Arquivo Marcelo Bonavides |
Ana Manarezzi vestida de Baiana. Livro O Rio de Janeiro do meu tempo, de Luiz Edmundo. Arquivo Marcelo Bonavides |
A
letra de As Laranjas da Sabia é bem interessante, fazendo alusão ao caso
e também fazendo troça com uma mania do Imperador D. Pedro II: que gostava de
tomar canja de galinha no intervalo de peças teatrais.
Eis
a letra original:
Sou a Sabina, sou encontrada
todos os dias lá na calçada
lá na calçada da Academia
da Academia de Medicina
Um senhor subdelegado
moço muito rezingueiro
Ai, mandou, por dois soldados
retirar meu tabuleiro, ai...
Sem banana macaco se arranja
Mas não passa o Monarca sem canja
Mas estudante de medicina
nunca pode
passar sem a laranja,
a laranja,
a laranja da Sabina.
Os rapazes arranjaram
uma grande passeata
Deste modo provaram
como o ridículo mata.
todos os dias lá na calçada
lá na calçada da Academia
da Academia de Medicina
Um senhor subdelegado
moço muito rezingueiro
Ai, mandou, por dois soldados
retirar meu tabuleiro, ai...
Sem banana macaco se arranja
Mas não passa o Monarca sem canja
Mas estudante de medicina
nunca pode
passar sem a laranja,
a laranja,
a laranja da Sabina.
Os rapazes arranjaram
uma grande passeata
Deste modo provaram
como o ridículo mata.
O
sucesso do lundu fez com que ele fosse gravado em cilindros e discos a partir
de 1902, confirmando sua popularidade. Bahiano e Cadete foram seus primeiros
intérpretes no começo do século XX. Em 1906, a atriz-cantora Pepa Delgado
gravou As Laranjas da Sabina, porém, com algumas modificações na letra. Como já
estávamos na República, não havia sentido mencionar o Imperador, por isso, as modificações
foram:
“Sem
banana macaco se arranja
Mas
não passa a mulata sem canja
Os
rapazes arranjaram
uma
grande passeata
Deste
modo provaram como gostam da mulata”.
Por
volta de 1907, a dupla Os Geraldos (Geraldo Magalhães e Nina Teixeira) gravou a
música Rapsódia, onde cantavam trechos de músicas de sucesso da época.
Nina Teixeira cantou uma parte do refrão de As Laranjas da Sabina.
PEPA DELGADO Caracterizada como Baiana. Arquivo Marcelo Bonavides |
NINA TEIXEIRA Caracterizada de Baiana. O Malho, 1909. http://memoria.bn.br |
Na
década de 1940, a cantora Dircinha Batista cantou no rádio uma versão de As
Laranjas da Sabina, sendo apresentada por Almirante, com arranjo feito por
Pixinguinha, que a acompanhou com a Orquestra do Pessoal da Velha Guarda. Nessa versão,
Dircinha Batista canta a letra original. O título ficou Fadinho da Sabina
e foi gravado em disco não comercial.
DIRCINHA BATISTA Arquivo Nirez |
Em
1999, a cantora Maricene Costa faria uma gravação de As Laranjas da Sabina,
acompanhada de regional, no Cd Como Tem Passado.
MARICENE COSTA https://www.marciopinho.com.br |
Trago
a versão gravada por Pepa Delgado e o trecho cantado por Nina Teixeira. Também
deixo o link para vocês ouvirem a gravação de Dircinha Batista.
AS
LARANJAS DA SABINA
Lundu
de Arthur Azevedo
Gravado por Pepa Delgado
Disco
Odeon Record 40.350
Lançado
em 1906
Obs. Da revista A República, de Arthur e Aluísio de Azevedo.
Trecho de As Laranjas da Sabina, cantado por Nina Teixeira.
Disco Odeon Record 70.042
Lançado em 1907
FADINHO DA SABINA
Lundu de Arthur Azevedo, com arranjo de Pixinguinha
Cantado por Dircinha Batista
Acompanhamento da Orquestra do Pessoal da Velha Guarda
AS LARANJAS DA SABINA
Por Maricene Costa
Agradecimento a
Humberto Franceschi (in memoriam) e ao Arquivo Nirez
Fontes:
Jornal O PAIZ, Rio de Janeiro, 26
de Julho de 1889
Monografia Nossas
Atrizes-cantoras: de 1859 a 1926, de Marcelo Bonavides de Castro, 2009.
Livro Viva o
Rebolado, de Salvyano Cavalcanti de Paiva, 1991.
Muito bom o texto.
ResponderExcluirParabéns pelo seu blog.Leio todos os dias e nunca canso.
Se possível visite meu blog e diga o que achou.
http://sabordaletra.blogspot.com/
Adorei, baby!
ResponderExcluirTexto muito bom!
beijosss
interessante seu blog!
ResponderExcluirabraço
Estou sentindo sua falta aqui!
ResponderExcluirAbraços
http://sabordaletra.blogspot.com/
E o que houve da Sabina? Voltou a vender laranjas em outro lugar?
ResponderExcluirJunior, já li que ela teve de volta seu tabuleiro e recebeu uma ajuda dos manifestantes.
ResponderExcluirMas, vou procurar mais informação.
Abraços!