É difícil imaginarmos um ícone que se mantém sempre
atual completar 100 anos.
Isso acontecerá nessa segunda feira dia
9 de fevereiro quando se comemora o centenário de nascimento da cantora Carmen
Miranda.
A imagem da artista se renova a cada geração, mantendo sua originalidade e
contemporaneidade, símbolos de uma vanguarda que, mesmo depois de mais de cinco
décadas de sua morte, se mantém inalterada.
Ao iniciar sua carreira artística em 1929, tendo como padrinho o compositor e
violonista baiano Josué de Barros, Carmen lançou um disco pela gravadora
Brunswick, recém inaugurada no Brasil. Meses depois, iria para a também novata
Victor, onde em seus primeiros discos já apresentava um estilo diferente de
interpretação.
Carmen Miranda, 1930 Arquivo Nirez
Nessa época, a grande figura das telas de cinema e representante
da mocinha moderna era a atriz americana Clara Bow, conhecida como A Garota
do It (The It Girl). Esse “It” era o diferencial que tornava uma
mulher especial em relação às outras: o carisma envolto em uma contagiante
vitalidade. Logo, Carmen passou a ser AGarota com o It na Voz,
para depois, ser batizada pelo locutor César Ladeira de Pequena Notável,
devido a sua estatura de 1, 52 cm. Outros adjetivos como A Embaixatriz do
Samba, e Brazilian Bombshell (já nos EUA), seriam associados a ela.
Com o sucesso extraordinário da marcha Pra você gostar de mim (Tai),
seu terceiro disco, da autoria do médico Joubert de Carvalho, a artista ficou
conhecida nacionalmente, passando a ser o carro chefe da gravadora. Daí para
novos sucessos em discos, no rádio, no cinema e em cassinos foi rápido. A
cantora que começou a carreira imitando a grande estrela do teatro de revista
Aracy Côrtes, agora, teria suas próprias imitadoras. Lançaria moda pelo país e
chegaria a ter o maior salário pago a um artista de rádio, ainda por cima uma
sambista, o que gerou várias críticas.
Vários compositores de renome faziam questão que suas
composições fossem gravadas por ela: Assis Valente, Ary Barroso, Lamartine
Babo, Custódio Mesquita, João de Barro, só para citar alguns.
CARMEN MIRANDA Arquivo Nirez
Seu prestígio se espalhava pelo Brasil através dos discos, rádio e
de excursões, como a que fez no início da década de 30 ao Nordeste, se
estendendo ao exterior em suas várias tournées pela Argentina, onde ao lado de
sua inseparável irmã, a cantora Aurora Miranda, era querida e respeitada.
Inusitada foi sua participação, ao lado de Pixinguinha, na
composição Os home implica comigo, um samba de 1930. Ao que consta ela foi umas
das poucas mulheres a compor com o autor de Carinhoso em peça gravada.
No ano de 1939 lança, no filme Banana da Terra, o
samba jongo do novato compositor baiano Dorival Caymmi O que é que a baiana
tem?, passando a apresentar o número no Cassino da Urca, onde era a atração
principal. Vestida de forma estilizada com os trajes de baiana, Carmen chamou a
atenção do empresário americano Lee Schubert, que a levou para uma bem sucedida
temporada na Broadway. A partir daí ela ganhou Hollywood e o mundo, divulgando
de forma definitiva a fantasia de baiana, que já era usada por nossas atrizes
50 anos antes dela (inclusive no exterior).
Sua fama e a imagem da mulher extrovertida com frutas na
cabeça passaram a se confundir com o Brasil. Após seu sucesso nos EUA e com a
Segunda Guerra Mundial, seus filmes passaram a ser um meio útil para promover a
Política da Boa Vizinhança. Segundo o escritor Ruy Castro, ao contrário do que
algumas pessoas pensam, Carmen “estourou” nos EUA antes de Franklin Roosvelt
implantar uma aliança com os países da América Central e do Sul.
Com os musicais em technicolor, chegou a ser a atriz mais bem
paga de Hollywood, onde morava com sua mãe, a portuguesa Maria Emília, sua irmã
Aurora e seu cunhado Gabriel Richaid.
AURORA MIRANDA E CARMEN MIRANDA Arquivo Nirez
O “espírito família” sempre foi uma
marca da cantora. Sempre rodeada por amigos e familiares, quer no Brasil ou em
sua casa na Califórnia que, para muitos, era uma espécie de embaixada
brasileira informal.
Essa simplicidade era notada no meio artístico. A cantora Jesy Barbosa destacou
em entrevista ao pesquisador Abel Cardoso Jr o seu espírito de amizade. As duas
estavam disputando o título de Rainha da Canção Brasileira de 1930 e, vendo que
Jesy apresentava maior votação, Carmen passou a torcer pela vitória da colega.
Outro caso famoso é o que envolve o cantor Carlos Galhardo. Quando um executivo
americano, presidente regional da gravadora Victor, foi visitar os estúdios
brasileiros Carmen foi convidada a cantar para o “patrão”. No meio da
apresentação o jovem Galhardo, em início de carreira, entra no estúdio,
causando a ira do executivo que, por meio de palavrões, o expulsa. Carmen, que
já veterana e o principal nome da gravadora, em solidariedade a seu colega
dirige os mesmos palavrões ao agressor, afirmando: “Eu sou brasileira, ele é
brasileiro e o senhor tem que nos respeitar!” (ela, na verdade, era portuguesa,
mas considerava-se brasileira). E assim encerrou a audição para o executivo...
Carmen Miranda foi, sem dúvida, a cantora que mais se destacou no Brasil
durante a década de 30. Seu estilo criava uma cumplicidade com o público, que a
ouvia repetidas vezes nos discos ou acompanhavam suas apresentações. Quando
iniciou a carreira, surpreendeu pela forma espontânea de cantar e o rompimento
com o estilo lírico, predominante até então entre as cantoras.
É interessante lembrar que um ano antes
de Carmen, a cantora, pesquisadora de folclore e violonista pernambucana
Stefana de Macedo já cantava em discos com um tom de voz não tão lírico. A
forma impostada se dava pela ausência de microfones nos teatros e pelo processo
de gravação ser mecânico até 1926. Coube à Aracy Côrtes, então o grande nome no
cenário artístico, a adaptar o canto lírico para interpretar músicas populares,
mantendo seus belos e famosos agudos.
CARMEN MIRANDA, 1930 Arquivo Nirez
O estilo de Aracy seria imitado por
Carmen quando ainda fazia audições amadoras em festas beneficentes, porém, com
a carreira consolidada adquiriu seu próprio, cabendo à Odete Amaral e Dalva de
Oliveira seguirem a escola de Aracy.
Há um esquecimento em nosso país da
cultura e dos artistas do passado. Mesmo com o esforço e a iniciativa de
pessoas que tentam resgatar o que foi feito há várias décadas, ainda temos
muitos nomes no ostracismo. Algumas dessas cantoras também completariam 100
anos em 2009, como Elisinha Coelho (A primeira intérprete de No Rancho Fundo -
01/03), Olga Praguer Coelho (Pesquisadora de folclore e violonista de fama
mundial que faleceu em 2008 meses antes de completar 99 anos – 12/08) e Laura
Suarez (Atriz, cantora e compositora, eleita Miss Ipanema em 1929 –
23/11).
Artistas que tiveram grande destaque e
que foram vencidos pelo tempo, não por falta de talento e sim vítimas de nossa
pouca memória. Carmen Miranda é um mito que sobrevive e sobreviverá por várias
gerações. Porém, o mérito de sua imagem ter chegado até nós, décadas após sua
morte, se deve a quem? Ao Brasil ou aos EUA? Afinal, a imagem que se perpetua a
cada geração é a que foi propagada largamente de Hollywood para o mundo.
Sabemos quem é a Carmen Miranda que cantava com frutas na cabeça em um inglês
engraçado, mas, será que conhecemos bem a Carmen Miranda intérprete de sambas
como Triste Sambista ou Veneno pra Dois?
Assim como as novas gerações foram redescobrindo e admirando o talento de Aracy
de Almeida, Dalva de Oliveira e Clementina de Jesus ficariam surpresos com a
descoberta da Carmen Miranda brasileira, a intérprete de marchas e sambista de
alta qualidade. As novas gerações perceberão que essa cantora centenária continua em forma e
atual.
Por
Causa de Você
Samba de André Filho. Gravado em 14 de Abril de 1932. Disco
lançado em Junho de 1932.
Carmen é acompanhada pelo Grupo do Canhoto, sob a direção de
João Martins.
Disco Victor nº33.555-B, Matriz 65.456-1.
Parabéns pelo artigo, Marcelo!
ResponderExcluirTenho certeza de que minha xará, esteja onde estiver, sentiu-se honrada com sua homenagem...
Um beijo,
Carmem Toledo
São poucas as pessoas que se interessam em homenagear icones tão ilustres. Parabens Marcelo pela iniciativa, e pelo conhecimento sobre Carmem Miranda.
ResponderExcluirUm grande abraço,
Júnior Mavignier.
Lindo artigo... trabalho louvavel o seu!!! Parabens!!!
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