Helena Pinto de Carvalho, que também usava Helena de Carvalho, em fotografia promocional da gravadora Victor, 1930. Arquivo Nirez. |
Hoje, dia 5 de Outubro de 2008, é um dia especial para mim. Uma de minhas cantoras favoritas estaria completando 100 anos, se viva fosse. Helena Pinto de Carvalho foi uma dessas estrelas cadentes que passam iluminando e encantando o caminho que percorrem.
Escrevi um artigo baseado na pesquisa de outra fã de Helena, Taís Matarazzo, e em dados coletados por mim. Divido com vocês um pouco dessa adorável artista.
Nascida em berço de ouro, filha de um conde carioca, Helena Pinto de Carvalho possuía todos os indicativos para ser apenas uma figura de destaque da sociedade de São Paulo. Ao invés disso marcou, em sua curta existência, seu nome na história Música Popular Brasileira e nos filmes musicais; tudo isso com o incentivo de seu esposo, um bem sucedido engenheiro.
Helena Falcão Huet Barcellar nasceu em São Paulo em 5 de Outubro de 1908. Sua mãe, Francisca Falcão, nascida no Ceará e criada em Bauru (SP), foi uma rica proprietária de terras. Após ficar viúva do primeiro casamento, e com uma filha pequena (também Francisca, nascida em 1894), casou-se com o conde e engenheiro da Estrada de Ferro Sorocabana Joaquim Huet Bacellar, nascido no Rio de Janeiro. Dessa união, nasceram Helena e Mariana (1913).
A família Huet Barcellar vai morar no Rio de Janeiro e, com a morte de Joaquim, em 1923, Francisca volta a São Paulo com as filhas.
A pesquisadora Thais Matarazzo escreveu uma monografia sobre Helena.Segundo entrevistas com parentes da cantora, “desde criança sentia vontade de cantar, era extrovertida, alegre, culta, amava a arte e cantava somente em casa em reuniões familiares”.
Nos anos de 1920 houve uma revolução dos costumes. As mulheres que ate então usavam roupas longas, escondendo seus corpos, passaram a usar saias curtas, com as pernas à mostra e várias aderiram ao novo corte de cabelo à la Garçonne, onde as longas madeixas davam lugar a um corte curto, com a nuca exposta. Nessa época, Surge o Rádio no Rio de Janeiro (1922), em São Paulo acontece a Semana de Arte Moderna (1922) e, novamente no Rio de Janeiro, era inaugurada a era das gravações fonográficas elétricas (1927), onde não só tenores e sopranos podiam registrar suas vozes. Nesse período efervescente de nossa cultura a jovem Helena se casa em 1927, aos 19 anos. Seu esposo, o engenheiro Paulo Pinto de Carvalho, tinha 34 anos. Paulo se mostraria um homem sem preconceitos e a frente de seu tempo, pois, iria incentivar sua esposa a abraçar a carreira artística.
Moças Pioneiras
As moças das chamadas “boas famílias” começaram a se infiltrar no meio artístico nesses anos revolucionários. Décadas antes, algumas mulheres conseguiram destaque e respeito no teatro de revista e na música popular, como a atriz e cantora Pepa Delgado e a atriz e empresária Cinira Polônio. Porém, era de praxe criticar e censurar a maioria das artistas, basta vermos o caso de Chiquinha Gonzaga que, mesmo com seu grande talento, sofreu preconceitos em grande parte de sua vida ou da soprano Zaíra de Oliveira que ganhou medalha de ouro no concurso de canto do Instituto Nacional de Música, no Rio de Janeiro e, por ser negra, não recebeu o prêmio que lhe cabia: uma bolsa de estudos na Europa. Poucos anos depois desse fato lamentável, surgiram as primeiras cantoras/pesquisadoras do folclore nacional. As cariocas Helena de Magalhães Castro, Elsie Houston, Celeste Leal Borges e Jesy Barbosa, as pernambucanas Stefana de Macedo e Amélia Brandão Nery e a amazonense Olga Praguer Coelho (falecida em abril passado, aos 98 anos), todas radicadas na então Capital Federal, ousaram quando passaram suas carreiras artísticas de amadoras para profissionais.
Até a primeira Miss Ipanema, eleita em 1929, a carioca Laura Suarez, aderiu às suas colegas.
Todas eram cantoras, compositoras, arranjadoras e, em alguns casos, professoras de violão. O instrumento deixava de ser marginalizado para ser companhia obrigatória nos recitais em que as jovens artistas tomavam parte.
A esse grupo, Helena vai dar sua contribuição, mesmo de São Paulo, quando passa a se apresentar, em julho de 1928, na Rádio Educadora Paulista. Ao seu lado, outros nomes femininos revelados na ocasião: de Dolly Ennor, Zezé Lara, Sonia Carvalho, Rachel Freitas.
Gravações fonográficas
Em 20 de maio de 1930, Helena entrava nos estúdios da gravadora Victor de São Paulo para gravar seu primeiro disco. Nessa época, ainda eram fabricados os discos 78 rotações por minutos (rpm), os chamados discos de cera, com uma música em cada lado. No lado A ficou registrado o samba-canção de Gáudio Viotti, X. Y. Z. e J. Canuto “Teus olhos me contam tudo”; o lado B trazia o samba de Ary Kerner “Morena cor de canela”, música gravada anteriormente pelo cantor Sylvio Salema e pela cantora Elsie Houston.
Nos discos alternava seu nome como em “Helena P. de Carvalho" ou “Helena de Carvalho.
Entre 1930 e 1931, gravou 7 discos e 14 músicas nas grvadoras Victor e Columbia. Os compositores eram os nomes de destaque da época como Napoleão Tavares, o também cantor Jayme Redondo, Ary Kerner e os veteranos Chiquinha Gonzaga e Marcello Tupynambá. Foi versátil em sua pequena discografia.
Sua voz, clara e harmoniosa, possuía, como se falava na época, brejeirice.
Dominava bem os sambas e marchinhas que interpretava. Basta ouvirmos “Num sorriso dos teus”, samba canção de Napoleão Tavares e Jayme Redondo, que teremos sua interpretação destilando romantismo e uma sutil sensualidade; “Sou morena”, Canção de Chiquinha Gonzaga e Viriato Correa, onde ela é brejeira e sedutora ou em “Nhá Carola”, marcha de Petit (Hudson Gaya) que, ao lado do cantor Pilé, encarna a caipira engraçada que busca casamento, mas finge desdenhar do seu amado.
Em todas as músicas a cantora imprimia uma interpretação romântica, mesmo em estilos diferentes.
Esse Jeitinho que Você Tem
Não tardou para que seu talento fosse cada vez mais reconhecido e divulgado. Em 1931 é convidada a participar do primeiro filme musical feito no Brasil.
E cabe a ela ser a primeira cantora a aparecer no filme, sendo apresentada pelo poeta Guilherme de Almeida. Acompanhada ao piano canta, de seu repertório, a toada “Esse jeitinho que Você Tem”, de Marcello Tupinambá, com um ritmo mais lento, mais romântico.
Em todas as músicas a cantora imprimia uma interpretação romântica, mesmo em estilos diferentes.
Esse Jeitinho que Você Tem
Não tardou para que seu talento fosse cada vez mais reconhecido e divulgado. Em 1931 é convidada a participar do primeiro filme musical feito no Brasil.
E cabe a ela ser a primeira cantora a aparecer no filme, sendo apresentada pelo poeta Guilherme de Almeida. Acompanhada ao piano canta, de seu repertório, a toada “Esse jeitinho que Você Tem”, de Marcello Tupinambá, com um ritmo mais lento, mais romântico.
Helena Pinto de Carvalho em cena do filme Coisas Nossas, 1931. Revista O Cruzeiro. Arquivo Nirez. |
Após as filmagens dará entrevista à revista “A Platea”, de São Paulo.
Em sua monografia, Thais transcreveu a matéria, onde se lia que Helena estava “elegantíssima numa criação parisiense em cor verde veio até o nosso ‘bureau’ de trabalho, em companhia do seu esposo Sr. Paulo Pinto de Carvalho”.
Perguntada sobre a experiência de representar para uma câmera, a cantora respondeu: “Fiquei nervosíssima”.
Sobre o futuro: “Eu não alimento programas no meu cérebro. Em todo caso, se meu trabalho agradar e a fabrica novamente me chamar, não tenho motivos para recusar o convite. A arte é uma coisa tão linda”.
Em relação ao futuro do cinema brasileiro, afirmou que acreditava em “um futuro brilhante para o cinema nacional. É claro que não são nas capitais, cuja gente muito ‘rafineé’ e cheia de historias, há de sempre encontrar aqui ou ali um senão para criticar. Mas como o Brasil não é formado pelas capitais e sim, ele é todo esse aglomerado quase infinito de vilas e cidadezinhas, que se espalham do Amazonas ao rio Grande do Sul, eu creio que não exagerei, se disser que tenho certeza do triunfo da nossa cinematografia”.
Helena afirmou que o canto sempre foi um de seus maiores prazeres, principalmente a canção brasileira.
A entrevista segue:
“E qual é o seu maior sucesso? Indagamos.
Mme. Pinto de Carvalho teve um olhar de modéstia. Para encoraja-la, nós lhe dissemos que as mulheres bonitas não gostam nunca de falar de si. Acham mais interessante que os outros digam. Mme sorriu afinal se decidiu:
- Acho que fui ouvida com muito carinho, em “Jeitinho que você tem...” Alias, está é minha canção preferida”.
Em sua monografia, Thais transcreveu a matéria, onde se lia que Helena estava “elegantíssima numa criação parisiense em cor verde veio até o nosso ‘bureau’ de trabalho, em companhia do seu esposo Sr. Paulo Pinto de Carvalho”.
Perguntada sobre a experiência de representar para uma câmera, a cantora respondeu: “Fiquei nervosíssima”.
Sobre o futuro: “Eu não alimento programas no meu cérebro. Em todo caso, se meu trabalho agradar e a fabrica novamente me chamar, não tenho motivos para recusar o convite. A arte é uma coisa tão linda”.
Em relação ao futuro do cinema brasileiro, afirmou que acreditava em “um futuro brilhante para o cinema nacional. É claro que não são nas capitais, cuja gente muito ‘rafineé’ e cheia de historias, há de sempre encontrar aqui ou ali um senão para criticar. Mas como o Brasil não é formado pelas capitais e sim, ele é todo esse aglomerado quase infinito de vilas e cidadezinhas, que se espalham do Amazonas ao rio Grande do Sul, eu creio que não exagerei, se disser que tenho certeza do triunfo da nossa cinematografia”.
Helena afirmou que o canto sempre foi um de seus maiores prazeres, principalmente a canção brasileira.
A entrevista segue:
“E qual é o seu maior sucesso? Indagamos.
Mme. Pinto de Carvalho teve um olhar de modéstia. Para encoraja-la, nós lhe dissemos que as mulheres bonitas não gostam nunca de falar de si. Acham mais interessante que os outros digam. Mme sorriu afinal se decidiu:
- Acho que fui ouvida com muito carinho, em “Jeitinho que você tem...” Alias, está é minha canção preferida”.
Estrela Cadente
Sua participação nos rádios continuou. Nos anos seguintes, ficou mais escassa por conta de excursões artísticas pelo Brasil e, segundo o pesquisador Abel Cardoso Junior, Europa. Aliando suas atividades artísticas, trabalhava como funcionária pública ao lado do marido como chefes na Seção Contabilidade e Departamento de Municipalidades de São Paulo.
Durante muitas décadas, pouco ou nada se soube sobre Helena. Em 1988 a empresa Revivendo, situada em Curitiba e especializada em relançar gravações de nomes da MPB da Época de Ouro, lançou o LP intitulado “Jóias de Nossa Música” enfocando Mário Reis, Moreira da Silva, Sônia Carvalho e Helena Pinto de Carvalho. Dos três nomes, somente Helena deixava uma lacuna sobre seu paradeiro. O próprio organizador das biografias contidas no disco, Abel Cardoso Junior, desconhecia onde ela estaria. Essa curiosidade foi desfeita mais de vinte anos depois, quando a jovem pesquisadora Thais Matarazzo, de São Paulo, resolveu pesquisar sobre as cantoras dos anos 30. A descoberta do paradeiro da cantora veio acompanhada de uma surpresa.
No dia 5 de dezembro de 1937, um domingo, às 23 horas, Helena sentiu-se mal. Segundo Vera, sua sobrinha que na ocasião contava com 11 anos e se encontrava em sua casa, em entrevista à Thais quase 60 anos depois, afirmou que sua tia deu um grito muito alto e foi encontrada deitada na cama, já morta. Mais surpreendente foi a causa: enfarte fulminante. Ela tinha 29 anos.
Embora os jornais tivessem lamentado a perda de um nome de peso do radio paulistano, integrante do elenco da Rádio Cultura, seu nome foi sendo esquecido através dos anos, devido a pouca memória de nosso país.
Assim como Yolanda Osório e Ita Cayubi, Helena Pinto de Carvalho foi uma das promessas lançadas em disco no longínquo ano de 1930. Como suas colegas, não decepcionou. Teve, até, mais sorte que muitas dela, uma vez que o esposo era seu fã numero um e grande incentivador, ao contrário dos demais conjugues da época, que “aposentavam” suas esposas da carreira artística através do casamento. Poderia ter sido uma socialite dos dourados anos 30, usando o título de nobreza de seu pai. Ao contrário, abraçou o samba e a marchinha e fez do cateretê, sua canção favorita; ritmos que ela tão bem dominou e interpretou seja nas capitais ou nas cidades do interior, pelo país afora. E sempre se negando a cantar estilos estrangeiros, numa valorização à música popular brasileira.
Na leva de jovens e modernas cantoras que a safra de 1930 lançou, e que foi liderada pela iniciante Carmen Miranda, Helena saiu-se de forma notável.
Sobre como seria sua carreira, caso a morte não a tivesse levado tão cedo, Thais responde: “Helena era uma cantora eclética, não tinha filhos, seu marido era aquiescente com sua carreira, sempre que podia se apresentava em shows de teatro, com outros cantores, acho que ela continuaria cantando e atuando talvez na televisão, não em cassinos, por que ela era membro da alta sociedade, ainda com tabus”.
Sua participação nos rádios continuou. Nos anos seguintes, ficou mais escassa por conta de excursões artísticas pelo Brasil e, segundo o pesquisador Abel Cardoso Junior, Europa. Aliando suas atividades artísticas, trabalhava como funcionária pública ao lado do marido como chefes na Seção Contabilidade e Departamento de Municipalidades de São Paulo.
Durante muitas décadas, pouco ou nada se soube sobre Helena. Em 1988 a empresa Revivendo, situada em Curitiba e especializada em relançar gravações de nomes da MPB da Época de Ouro, lançou o LP intitulado “Jóias de Nossa Música” enfocando Mário Reis, Moreira da Silva, Sônia Carvalho e Helena Pinto de Carvalho. Dos três nomes, somente Helena deixava uma lacuna sobre seu paradeiro. O próprio organizador das biografias contidas no disco, Abel Cardoso Junior, desconhecia onde ela estaria. Essa curiosidade foi desfeita mais de vinte anos depois, quando a jovem pesquisadora Thais Matarazzo, de São Paulo, resolveu pesquisar sobre as cantoras dos anos 30. A descoberta do paradeiro da cantora veio acompanhada de uma surpresa.
No dia 5 de dezembro de 1937, um domingo, às 23 horas, Helena sentiu-se mal. Segundo Vera, sua sobrinha que na ocasião contava com 11 anos e se encontrava em sua casa, em entrevista à Thais quase 60 anos depois, afirmou que sua tia deu um grito muito alto e foi encontrada deitada na cama, já morta. Mais surpreendente foi a causa: enfarte fulminante. Ela tinha 29 anos.
Embora os jornais tivessem lamentado a perda de um nome de peso do radio paulistano, integrante do elenco da Rádio Cultura, seu nome foi sendo esquecido através dos anos, devido a pouca memória de nosso país.
Assim como Yolanda Osório e Ita Cayubi, Helena Pinto de Carvalho foi uma das promessas lançadas em disco no longínquo ano de 1930. Como suas colegas, não decepcionou. Teve, até, mais sorte que muitas dela, uma vez que o esposo era seu fã numero um e grande incentivador, ao contrário dos demais conjugues da época, que “aposentavam” suas esposas da carreira artística através do casamento. Poderia ter sido uma socialite dos dourados anos 30, usando o título de nobreza de seu pai. Ao contrário, abraçou o samba e a marchinha e fez do cateretê, sua canção favorita; ritmos que ela tão bem dominou e interpretou seja nas capitais ou nas cidades do interior, pelo país afora. E sempre se negando a cantar estilos estrangeiros, numa valorização à música popular brasileira.
Na leva de jovens e modernas cantoras que a safra de 1930 lançou, e que foi liderada pela iniciante Carmen Miranda, Helena saiu-se de forma notável.
Sobre como seria sua carreira, caso a morte não a tivesse levado tão cedo, Thais responde: “Helena era uma cantora eclética, não tinha filhos, seu marido era aquiescente com sua carreira, sempre que podia se apresentava em shows de teatro, com outros cantores, acho que ela continuaria cantando e atuando talvez na televisão, não em cassinos, por que ela era membro da alta sociedade, ainda com tabus”.
Arquivo Nirez
Arquivo Thais Matarazzo
Bibliografia:
JUNIOR, Abel Cardoso. Jóias da Nossa Música. Curitiba, 1988.
MATARAZZO, Thais. Helena Pinto de Carvalho. São Paulo, 2003.
Arquivo Thais Matarazzo
Bibliografia:
JUNIOR, Abel Cardoso. Jóias da Nossa Música. Curitiba, 1988.
MATARAZZO, Thais. Helena Pinto de Carvalho. São Paulo, 2003.
Lindo artigo, Marcelo!
ResponderExcluirMais uma prova de que nossa cultura é riquíssima...
Beijos,
Carmem Toledo